Noites de Chuva, dias de tormenta. É um livro surpreendente do jornalista Flavio Sarlo. É surpreendente não pelo conteúdo em si, não pela linguagem ou poética (que é de um gosto duvidável, aliás), mas pela temática. O autor se propõe, nessa pérola literária, a fazer “um mergulho no mundo dos gays e das drag queens” como diz na orelha do livro. Só que a graça do livro é que isso acontece aqui mesmo na Grande Vitória envolvendo personagens e lugares verdadeiros e parece-me que tudo se passa no final dos anos 90. Se você ignorar as tentativas do autor em tornar a coisa mais ‘literária’, o livro é até interessante – falo isso porque rola umas figuras de linguagens e umas comparações bastantes… desnescessárais como quando ele associa as “monas”, a monalisa de Da Vinci, uó! De qulquer forma vale a pena a leitura, o livro é divertido apesar da falta de ousadia e talento do autor para esse tipo de literatura. Confira um trecho da narrativa (p. 45-46):
“A sauna Pink, localizada próxima ao porto de Vitória, era um discreto ponto de encontros gays no centro da cidade. Ficava num endereço residencial, ocupando o andar térreo de um edifício de apartamentos com vista para o mar.
Uma garota loura, simpática e de corpo bonito estava sempre na portaria dando as boas vindas aos frequentadores, a maioria na faixa dos 25 aos 40 anos. Maruschka, como era conhecida, atendia aos telefonemas e também distribuía as toalhas, chinelos e as chaves das cabines para massagens e encontros íntimos. Ela conhecia os clientes mais assíduos e para todos tinha um sorriso.
O público que frequentava o local variava conforme o horário. Por volta das quatro horas da tarde, os clientes eram mais comportados e alguns nem eram homossexuais, mas a medida em que a noite ia chegando, os primeiros gays começavam a sair do trabalho e procuravam o lugar para tomar um drink e aliviar as tensões. A sauna funcionava a pleno vapor mesmo era por volta das 9 da noite, quando entrava em vigor o racionamento de energia elétrica e as luzes eram desligadas, ficando apenas Maruschka na portaria com um abajur aceso.
Foi naquele cenário que Ludovico marcou o seu primeiro encontro com Marquinhos Leopardo. Ele apareceu sem maquiagem, disposto a conhecer primeiro o rapaz, que já estava na sauna, de sunga e sem camisa, tomando um drink no bar, quando Maruschka apontou com o dedo para mostrar quem era:
– Você que é Lise Lopes? Pensei que ia encontrar uma drag queen! … – ironizou Leopardo.
– Não vim com essas intenções – esnobou Ludovico.
Leopardo sorriu. Passou a mão no peito, tomou um gole de campari e ficou curioso com a bicha:
– Não vai querer tomar uma sauna?
-Não …
Outro sorriso do bofe:
– Então o que você está querendo? Ludovico viu seu lado Lise Lopes aflorar num instante e finalmente falou, com a voz bem mais fina:
– Vim te fazer uma proposta …
Marquinhos deu outro gole no campari e continuou ouvindo.
Já a bicha, começou a ter mil e uma fantasias diante do rapaz, mas se conteve. E acabou então fazendo uma proposta que nada tinha a ver com as suas verdadeiras intenções.
– Vai ser uma despedida de solteira de uma amiga minha. Ela quer dormir com um rapaz boniito …
– Mulher? – indagou Leopardo.
-É …
O rapaz sorriu, tentando decifrar a peça que o gay estava tramando.
Ludovico também sorriu, aproveitando para avaliar melhor o rapaz.
Estaria esplêndida naquele encontro, sonhou por um momento.
Mas Marquinhos Leopardo, com seu instinto felino, logo o trouxe de volta a realidade.
– E quanto é?
SARLO, Flavio. Noites de chuva, dias de tormenta. Vitória: Free Press, 2005.
Eu encontrei o livro por acaso na Biblioteca da Ufes – sim, bees, tem lá é só procurar. São várias pequenas narrativas de vários personagens que vão se entrelaçando. Ah, o livro tem umas fotinhas também, como essas aí em baixo:
